Eevee


Após sua fuga do casamento, o grupo de Serena buscou ao máximo não ser encontrado por rostos conhecidos. Contudo, em uma rara ocasião, acabaram esbarrando com Aldrick e Katheryn. Vendo o baque pelo qual a garota havia passado, Ald entregou-lhe um ovo que havia acabado de trazer do Daycare Center. Era uma maneira de animar a garota e ocupar sua a mente - o que, de fato, aconteceu. Serena cuidou da criatura com enorme curiosidade, sem saber o que eclodiria. Antes de deixar Lumiose e em um novo reencontro com os amigos, uma Eevee nasceu do ovo, logo sendo acolhida com muito carinho por sua nova treinadora.
 
Antecedentes

Eevee nasceu em Lumiose, de um ovo entregue por Aldrick. Mais detalhes são ainda desconhecidos.

Estratégias e Envolvimento em Batalhas

Lillie não costuma se envolver em combates dentro da guilda, atuando geralmente como uma mediadora das relações.

Royal Emperium

Lillie é uma das integrantes mais novas da guilda e costuma se dar bem com praticamente todos os integrantes. Sua personalidade dócil faz com que seja sempre querida e amenize alguns dos conflitos existentes dentro do grupo. Ela costuma ser afetada pelas outras relações de seus colegas, por isso, preza pela harmonia, ainda que isso também signifique que absorva além do que deveria em meio à Royal Emperium.
Curiosidades
  • Eevee foi cogitada como inicial de Serena antes de Espurr;
  • Lillie faz referência a Lilly, uma das primeiras personagens de Haos;

Notas do Autor - Capítulo 42

 

ALERTA DE SPOILERS! Antes de ler as notas, leia o capítulo correspondente primeiro!

Com este capítulo damos fim ao arco de Lumiose dessa temporada. Nem acredito que enfim concluímos essa etapa com todas as peças... É até estranho ler um capítulo mais leve e até com certas tiradas cômicas depis de tanta agonia... Não nos enganemos: ainda é a Saga Y, ainda temos grandes temores, mas pelo menos há no que nos agarrarmos. Vamos agora entrar em um novo ciclo, que é o caminho até Laverre. 


Charlie e a síndrome do terceiro protagonista

3 personagens é um número interessante. Essa tradição não começou com a Aliança, nem com as fanfics, nem com Pokémon. É algo presente em muitas narrativas de aventura. E não podemos esquecer do quão presente isso foi no anime, por exemplo. Ash, Brock e Misty. Aos poucos isso virou uma repetição. Muitas das fics de Pokémon fizeram o mesmo, eu por exemplo, antes de Kalos. Um treinador. Um segundo personagem por vezes voltado para algum outro tipo de competição - como a May, a Dawn, a Serena no anime. E um terceiro personagem como o Brock, o Cilan, o Tracey - que funciona como uma espécie de guardião do grupo: mais velho, mais sábio, geralmente pra dar suporte aos outros personagens e permitir que eles existam e desenvolvam melhor suas tramas. Por mais que a gente tentasse fazer esse "terceiro protagonista" se sobressair, ele sempre ficava na sombra. Entre batalhas e contests, não parecia ser possível colocá-los nos holofotes.

Eu não quis isso quando comecei Kalos. A Serena não seria uma personagem envolvida em competições - o que na época era meio arriscado - e o Charlie consequentemente seria o oposto do "terceiro protagonista". Em partes acho que funcionou. Não perfeitamente, mas com certeza, quando pensam no Charlie, não o assimilam a uma figura de responsabilidade. Ele sempre tentou ajudar e proteger os primos, de certa forma, mas em outras parecia mais atrapalhar que colaborar.

Eis que por muito, muito tempo eu estive atiçando a curiosidade de vocês. Desde os primeiros capítulos ele deixa ambiguidades, contradições, dúvidas e mistérios. Desde o primeiro encontro Serena pede para que ele seja sincero, e ele diz que um dia as coisas farão sentido. 
Várias vezes outros personagens revelavam desconfiança para com ele. Desde Camphrier ele parece saber de algo que nós não sabemos. Parece que o dia chegou, e finalmente nos deparamos com todo o passado escancarado de nosso personagem, que esteve conosco o tempo todo e, curiosamente, tinha mais camadas e segredos fundamentais a compartilhar que nossos dois parceiros. Talvez vocês nem se lembrem de alguns elementos como a carta mencionada (que Charlie respondeu lá pelo capítulo 14 e o Stevan confrontou a Serena no capítulo 29), mas assim como o Charlie devia a verdade a Serena, eu também devia a vocês.

O capítulo de hoje responde algumas perguntas e nos cultiva umas novas. Essa é a lição que nos sustenta até aqui, é o que nos prende a essas histórias: saber que ainda temos por que continuar. No próximo capítulo teremos um gostinho da boa e velha aventura, com nossos queridos rivais e amigos que há um tempo não dão as caras oficialmente. Adeus mais uma vez, Lumiose, e que venha Laverre!

Edit: As fichas de Serena e Calem foram atualizadas

Capítulo 42


CAPÍTULO 42
Sobrecarga

O aroma dos restaurantes que compunham as avenidas mais turísticas de Lumiose indicavam a chegada de uma tarde. Após dias de um tempo fechado e gélido, as nuvens pareciam abrir espaço para que raios de sol brilhassem e trouxessem mais cor às ruas da metrópole após uma sombria madrugada. Todos os noticiários repetiam as mesmas notícias, o mundo estava chocado com o atentado ao maior monumento de Kalos.

Contudo, mesmo com todo o temor, Serena conseguiu permitir que algum indício de tranquilidade lhe consumisse.

Abriram espaço para que ela dormisse, mas ela pouco conseguiu descansar de fato. Logo acordou algumas horas depois, vendo o sol espantar as sombras que lhe perseguiam, e mesmo àquela área retirada da cidade parecia conseguir sentir o calor tocando sua pele e trazendo a vida de volta. Ela tinha um milhão de perguntas correndo pela cabeça naquele momento mas, em respeito a Charlie, tentou segurá-las.

Viu o garoto sozinho em um canto, encarando a janela, com algumas bandagens cobrindo seu machucado. Calem parecia cochilar, mas em poucos segundos começou a se remexer. Ela foi até a sala, onde Sycamore e o Observador cochichavam, diminuindo o tom ao correrem os olhos e a notarem chegando. Ashley tinha uma imensa xícara de café preto na mesa, onde bebericava vez ou outra. Ela olhou por cima dos óculos, deparando-se com a loura:

— Ei. Como você tá?

Serena abriu um sorriso.

— Pergunta idiota. — Ashley repreendeu a si mesma, logo abrindo o que parecia – alguns poderiam dizer – um sorriso. — Vocês foram muito corajosos.

Calem caminhou até a sala. A cara estava em um estado de mau-humor absurdo de quem não conseguia pregar os olhos havia tempos. Naquela hora, tampouco. Bocejou e abriu a garrafa térmica de Ashley, servindo-se de um pouco do café. O Observador e Sycamore se juntaram aos jovens, aniquilando qualquer que fosse sua conversa anterior. O professor abriu seu típico sorriso, mas a expressão de sono ainda era perceptível.

— Estou muito orgulhoso de vocês. — murmurou.

Calem deu de ombros.

— A gente cometeu no mínimo uns quinze crimes. Não sei se é algo que a gente deva se orgulhar.

Nada como uma noite sem dormir fugindo de um atentado para piorar o mau-humor. O Observador conseguiu quebrar o gelo.

— Foi um risco imenso… Ainda não acredito que colocamos vocês para fazerem tudo aquilo. Vocês são jovens formidáveis.

Calem espiou de canto de olho Serena, perdida na janela. Respirou fundo, o peito ainda apertado depois de tudo o que aconteceu.

— Com sinceridade, agora. — murmurou. — Nos contem o que precisamos saber.

O Observador e o professor se entreolharam.

— Bem, como imaginam, o irmão de Charlie… — balbuciou o detetive. — … não será algo que devem se preocupar mais. A polícia conseguiu capturar alguns dos membros da gangue que estavam na Torre, e isso deve levar aos que conseguiram escapar. Ainda os estão interrogando, mas sem grandes informações até então. Dizem que foi arquitetado pela gangue há um bom tempo.

Calem revirou os olhos.

— E você não acredita nisso.

O Observador parou de falar.

— Não temos como afirmar nada.

Calem lhe ofereceu uma expressão fechada.

— Não precisam nos poupar de informações. Somos jovens, mas fomos sozinhos àquela Torre e salvamos Charlie. Temos o direito de saber de tudo. Eu sei que não foram só eles. Marc praticamente me confirmou que havia alguém por trás.

O Observador buscou algum refúgio na expressão de Sycamore, que deu de ombros com uma expressão que dizia “eu disse que eles não são jovens quaisquer”.

— Pois é. Por isso estão tentando extrair informações que levem a quem possa ter provocado tudo isso.

— Uma gangue de rua não cria um atentado terrorista que paralisa Kalos. — retorquiu Calem. — Mesmo que seja um líder da máfia, não existe nenhum motivo pra Marc fazer tudo aquilo só por vingança ao irmão.

Ashley assentiu, mostrando o monitor de seu computador. Ela alternou entre noticiários de Kanto, Unova e Galar.

— O rosto de vocês não está só em Kalos. Está no mundo inteiro. — ela ajeitou os óculos. — É sobre criar pânico, e tornar vocês figuras que ninguém teria remorso que fossem entregues em um atentado. Ou que fossem presos. Ou qualquer outra coisa. Não acho que seja só isso, mas talvez seja uma das peças do quebra-cabeças.

Naquele momento Serena finalmente disse algo:

— Foi o meu pai.

Todos ficaram quietos. O barulho do vento entrando na pequena sala do hostel assoviava entre os prédios de Lumiose.

— Eu sei que vocês estão tentando não falar isso, mas é o que estão pensando. — ela falou, virando-se para eles, mas encarando o chão. — Ele poderia ter feito isso. Poderia ter bancado isso.

Calem encostou a cabeça na parede.

— Marc preferiu desaparecer a ser capturado. Ele sabia que se fosse pego e pressionado a falar enfrentaria o pior.

O Observador aproximou-se da garota e abaixou um pouco para encará-la. Aqueles olhos acinzentados como um céu que esconde uma tempestade pareciam ter visto mais horrores que gostaria; ela sabia que aquele não era um dia tão atípico na vida daquele homem. Ainda assim, havia um tom de preocupação quando a observava.

— É uma hipótese, Serena.

Ele sabia dar as más notícias. Existem informações que não há como reduzir seu impacto. Elas sempre serão más notícias.

— É possível. Eu desconfio disso. Mas muito provavelmente nunca chegarão nele por meio daqueles que foram capturados. Qualquer um que se atrever a dar uma pista sobre o mandante muito provavelmente será silenciado.

A garota cerrou os punhos, agoniada.

— Então vai ficar por isso?

Ela queria gritar. Os outros ficaram em silêncio. Serena há algum tempo sabia que as coisas não eram exatamente justas como nas histórias com final feliz. Contudo, a injustiça às vezes a tiravam do sério, lhe faziam pensar que não importa o que faça ou para onde corra, ela sempre chegaria ao mesmo lugar. O Observador ponderou antes de dizer:

— Eu não quero dar falsas esperanças, Serena, mas…

Ela levantou o olhar.

— Bem… A polícia não fará esse paralelo com Stevan tão cedo. Mas talvez, sabendo dessa possível ligação, eu possa traçar um caminho até ele e descobrir seu grau de responsabilidade nisso tudo.

A garota arregalou os olhos.

— Mas o senhor não estava aposentando?

Ele massageou a testa cansada.

— Estava. Achei que poderia passar os últimos anos cuidando de casos pequenos e cotidianos de Lumiose. — murmurou, um pouco ranzinza. — Mas não vejo outra maneira. Tenho pessoas de confiança que poderia aconselhar dentro da polícia, mas se vazasse que estão atrás de Stevan, ele daria algum jeito de afastar as investigações.

Ele se recostou na janela.

— Pelo menos eu sei por onde começar…

Ela se encostou ao lado dele, tímida.

— Se o senhor conseguisse… Apenas supondo…

Ele fechou os olhos e assentiu com certo receio, pois sabia o impacto que aquilo poderia lhe trazer:

— Ele seria preso. Hipoteticamente. E você estaria livre.

Serena quase chorou naquele momento. O Observador não teve coragem de encará-la. Sabia que aquela pequena hipótese seria o que a menina precisava para se agarrar e ter alguma réstia de esperança. Contudo, as chances eram escassas diante do cenário que se desenhava à frente. Um caso desses poderia levar tempo. Bastante tempo. E tempo era algo que aquele trio não tinha.

Trio.

Serena caminhou até a porta do quarto, onde Charlie continuava na mesma posição. Ficou parada, o observando perdido. Ela tinha um milhão de questões na ponta da língua. Mas era preocupada o suficiente com o rapaz para compreender que ele havia atravessado dias ainda mais horripilantes que ela. Com suavidade e hesitação tocou os dedos finos em seu ombro.

— Charlie…

Uma longa pausa.

— Me desculpa, Serena.

Ele se virou para ela, cabisbaixo. Ela sentou-se na beirada da cama, sem muita energia. Ele não conseguiu segurar por muito tempo olhando em seus olhos, desviando para a sala e para a janela. Os dedos nervosos se entrelaçavam e soltavam, procurando o que fazer, procurando onde se agarrar.

— Por que, Charlie?

Respirou fundo.

— Eu precisava, Serena.

Ele se levantou, andando de um lado para o outro.

— Eu não menti pra vocês. Você sabe, eu morei mesmo em todos os lugares que disse. Eu era de Lumiose, Marc era meu irmão, e todo aquele… Todo aquele pesadelo. Eu não menti.

Uma nuvem espessa se formava bem ao longe, sendo soprada pelos ventos para fora da cidade.

— Eu estava em Laverre na época. Eu já tinha passado muito tempo por Kalos, havia ido de norte a sul, do litoral ao interior.

Os dedos batendo na janela.

— Mas em Laverre, um dia, eu fui furtar a casa de uma moça e acabamos… Acabamos nos aproximando. Ela morava sozinha, tinha uma doença meio grave, e eu acabei me dispondo de ajudar.

Serena prendeu a respiração. As imagens em sua cabeça apareciam como um filme.

— E comecei a morar com ela. Ela era… Ela era a pessoa mais incrível do mundo. A mais bonita, a mais amável, a mais… Ah, a melhor pessoa do universo inteiro. Igual a você.

A garota sentiu um nó na garganta. Cobriu a boca com as mãos, segurando firme enquanto ouvia.

— Eu sabia que ela tinha uma filha, mas ela nunca contou muito sobre. E eu entendo, porque, né, eu que não queria falar da minha família. Aparentemente o seu pai era meio doido, mas eu não tinha dimensão do quanto. Ela disse que eles tinham feito um trato.

Calem espiava da sala.

— Um trato? — perguntou ela, com uma voz fraca.

— Sim. De que você poderia sair de casa com quinze anos.

Naquele momento, o primo se encostou no batente da porta, cruzando os braços.

— O que a mãe dela tem a ver com isso?

Os dois voltaram sua atenção a Calem. Charlie deu de ombros.

— Não culpe o mensageiro.

— Por que ela fez isso, Charlie? — indagou a loura. — Por que ela nunca…?

— Porque ela não pôde. — Charlie sentou-se em sua frente e pegou em sua mão. — Ela não podia ir atrás de você. Seu pai não… Bem, é por causa do seu pai. Basicamente.

— Mas por quê?

— Eu não sei, Serena. Eu não sabia o tamanho da encrenca. Ela só sabia que ele viria atrás de você, mesmo supostamente te deixando sair de casa. Cedo ou tarde. Ela queria te ajudar, de algum jeito. E ela confiou em… Mim.

Calem socou a parede.

— Por que você não disse, Charles? Você teve tanto tempo, tantas oportunidades…

— Porque eu achei que ia conseguir. — naquele momento ele se perdeu e a voz ecoou por todo o lugar, silenciando até as conversas na sala. — Achei que era só defender vocês de uma floresta pequena, de não serem assaltados na rua, ou lembrar de ligarem para o papai de vez em quando. Era um segredo, eu prometi a ela que não contaria a você para não coloca-la em risco.

Abaixou a cabeça.

— Mas quanto mais tempo passou mais eu entendi o quão difícil era aquilo… E por que eu precisava estar aqui. Virou uma bola de neve, uma bola de neve enorme e de repente tudo estava se conectando. Eu. Seu pai. Sua mãe. Meu irmão.

Serena recolheu a mão, deixando-o sem ter onde se segurar. Ele acariciou a própria pele áspera, encarando as palmas suadas e trêmulas.

— Eu devo muita coisa à sua mãe, Serena… Muita coisa. E eu confesso que a ideia de viver no luxo por uns meses com vocês parecia tentadora e um grande motivador… Mas logo que eu te conheci… Você era o próprio motivo pelo qual eu queria proteger. E eu achei… Achei que eu ia conseguir.

Ela balançou a cabeça.

— Por que… Por que você mandou aquela carta ao meu pai?

Então, esfregou as mãos no rosto.

— Quando o Calem me disse que seu pai organizaria seu casamento um dia, eu logo entendi que era uma das coisas que Alice, sua mãe, temia… Ele iria tentar captura-la de novo.  E ele havia descoberto que você e o Calem não estavam sozinhos. Eu precisava… Precisava fazer alguma coisa. Precisava que ele não soubesse de mim, e menos ainda de Alice, deixasse tudo como estava… Ele não podia desconfiar que sua mãe tinha algo a ver com a história. Você parou de respondê-lo e eu sabia que isso iria colocá-lo em sua cola. Mas se te convencesse que você precisava voltar a falar com ele só para despistá-lo, você ia desconfiar que eu sabia algo a mais.

O garoto então cerrou os punhos, socando o próprio chão em um acesso de ódio.

— Mas no final fui eu quem estragou tudo tentando ajudar. Não consegui te proteger como sua mãe queria, não consegui afastar seu pai, só… Só estraguei tudo. Pra todo mundo.

Serena sentiu as lágrimas escorrendo. Ela chorou tantas vezes nos últimos dias que pareceu um processo natural. Charlie também não conseguiu segurar as emoções. De repente, todos os sentimentos por tanto tempo aprisionados eram libertos como um tsunami em tão pouco tempo. Uma vida inteira em uma cidade, em um quartinho.

Ele segurou na mão dela de novo. Dessa vez ela não o afastou.

— Sua mãe não te conheceu, Serena… Mas ela sentia que…Que você iria me acolher. De algum jeito. Ela poderia ter errado. Mas não errou. Vocês me receberam como se eu fosse parte da família. — ele levantou o olhar a Calem. — Você, pelo menos.

O outro deu de ombros.

— Eu sempre achei que você escondia algo. E eu estava certo.

Serena olhou nos olhos de Charlie sem saber ao certo o que sentir. Ela entendeu a história, entendeu que o garoto tentou, de algum modo, fazer o melhor. Mas sentia uma ponta de desapontamento em seu peito. De repente, aquele garoto de olhos verdes cheio de humor e histórias fantásticas parecia apenas um personagem de uma peça; as cortinas haviam subido, e só o que restara era o ator à sua frente, no qual já não se sabia onde a realidade se misturava à ficção.

— Eu nem acredito que contei tudo isso. Eu já tentei contar minha história de tantos jeitos diferentes que às vezes me esqueço da verdade. — murmurou o rapaz. — Chega uma hora que sua cabeça esquece aquilo que você já viveu e aquilo que você precisa convencer os outros que viveu. Vira uma grande névoa, e você só consegue ficar infeliz. Apático.

Ele se levantou e ficou entre os primos.

— Serena, Calem… Eu fiz muita burrice. Uma atrás da outra. Acho que a gente só está aqui agora porque eu fiz tanta merda. Mas eu juro que achei que estava fazendo o melhor. Eu só não queria colocar vocês no meio. Não desse jeito.

Calem semicerrou o olhar.

— Nós não estamos no meio, Charles. Nós somos o meio.

O primo caminhou pelo quarto, parando na janela, perdido. Esperava que quando se deparasse com o vidro, veria a paisagem do jardim das mansões de Vaniville. Que poderia voltar no tempo e tudo seria normal. O que mais o assustava não era não poder voltar no tempo. Era que ele nunca conseguiria, depois de tudo aquilo. Nunca existiu normalidade. O revólver que Marc segurava parecia de novo à sua frente, podendo roubar-lhe a vida em uma fração de segundo.

— E sim, a verdade é que você é grande parte do motivo de as coisas estarem assim agora. — resmungou.

Em seguida, virou-se para Charlie, encarando os olhos verdes tristes e cabisbaixos.

— Mas elas também podiam estar mil vezes piores. — disse, cruzando os braços. — E elas não estão por sua causa. Então…

Charlie limpou as lágrimas e abriu um sorriso torto.

— Isso é um “obrigado”?

Calem fechou a cara, se levantando constrangido.

— É você quem disse, não eu.

O outro soltou uma risada amigável.

— Não esquece que eu lembro que você me chamou de “Charlie”.

— Ora essa, Charles, eu tenho mais o que fazer. — resmungou Calem corado, indo rumo à sala.

Charlie continuou rindo sozinho, mas logo voltou a ficar sério encarando a garota à sua frente, ainda imóvel. Perdida. Ela tinha esse direito. Tinha todo o direito de querer nunca mais olhar em sua cara. Ele havia subestimado aquela garota desde o primeiro dia. Achou que sua função era de defendê-la do mal, porém, quando seu mundo estava desabando, foi ela quem o salvou com coragem, mesmo com a suja verdade que se colocou à sua frente.

— Charlie… Você disse que minha mãe estava doente… — fungou ela. — Ela…?

Charlie emudeceu.

— Eu não sei, Serena. — brincava com os dedos. — O quadro dela piorou ao longo dos anos… Mas ela era – é – forte igual a você. Nós podemos ir até lá. Juntos. Se você ainda me quiser na jornada com você.

Após alguns instantes, ela desenhou um fino sorriso. Ele sorriu de volta. Deslizou um dedo em sua bochecha e limpou uma lágrima delicada que se formava. Não gostava de vê-la chorar.

— Lindo, quase chorei. — resmungou Calem de longe. — Mas esqueceram que estamos presos aqui?

Um silêncio pairou sobre a sala. Sycamore olhou para o Observador, que evitou transparecer qualquer emoção até ceder, com um tom de resmungo:

— Céus, vocês vão deixar minha vida inteira em débito com a polícia de Kalos. — murmurou. — Eu posso tentar dar um jeito nisso.

Os três levantaram em um salto.

— Isso é sério? — indagou Calem.

— Posso garantir que não serão parados na saída. Só isso. — falou o detetive. — Mas depois disso, é com vocês.

Naquele momento, Sycamore atendeu um telefonema. Tentou abafar a chamada indo até a janela para conversar, mas logo retornou ao grupo com seu costumeiro sorriso.

— Pode subir. — falou, desligando a chamada e então se voltando aos outros. — Tem alguém que gostaria de encontrá-los.

Todos ficaram em silêncio até que ouvissem algumas batidas. Sycamore abriu a porta, e o grupo se deparou com um rapaz mais baixo que Serena, de cabelos louros espetados e um enorme traje azul típico de cientistas que trabalham com experimentos robóticos. Um par de óculos redondos marcantes ampliavam o tamanho de seus grandes olhos acinzentados. Nas costas, uma mochila que parecia guardar algo bem mais complexo que meros livros. Ao seu lado, uma jovem criança também loura, que abraçava um pequeno Dedenne.

O garoto cumprimentou o professor e o Observador e se colocou à frente dos jovens.

— Meu nome é Clemont. — apresentou-se, ajeitando os óculos. — Eu sou o líder do ginásio de Lumiose, e o responsável pela Prism Tower.

Ele deu um aperto de mão. Clemont parecia mais jovem que os três – talvez apenas em aparência – mas tinha uma pose de alguém muito mais velho. O rapaz era um nome extremamente conhecido na ciência de Kalos por ser um prodígio da área de robótica, desenvolvendo invenções que inovaram os sistemas da tradicional torre de Kalos.

— Essa é a Bonnie, minha irmã.

Bonnie soltou um bocejo. Ela havia estado junto dos outros naquela noite por ser a única pessoa capaz de entrar de maneira segura nos sistemas de Clemont em caso de emergência. E, claramente, havia sido uma emergência.

— Nunca achei que fôssemos enfrentar algo daquele tipo… — murmurou o garoto, coçando o queixo.

— Devo parabenizá-lo, jovem Clemont. — disse o Observador, dando-lhe tapinhas nas costas. — A estrutura e segurança da Torre nos auxiliaram a impedir uma catástrofe maior. Pelo menos não houve mais feridos.

— Precisarei revisar tudo, depois dessa… Com certeza. — comentou, mexendo nos cabelos.

Calem ficou um pouco sem jeito.

— Talvez eu tenha certa culpa nisso. — falou, lembrando-se do jeito que ficou a arena de batalhas do ginásio.

O menino deu uma risada simpática, aproximando-se.

— Você fez o que precisou fazer naquele momento. Máquinas, felizmente, podem ser consertadas. — falou.

Ele pressionou algumas teclas em um relógio em seu pulso – que parecia fazer tudo menos informar as horas – e sua mochila se abriu. Todos tomaram um susto quando uma mão robótica se deslocou de dentro com uma enorme naturalidade, abrindo-se na frente de Calem. O garoto não entendeu direito o ato até perceber um pequeno símbolo sendo segurado. Um triângulo dourado como um escudo, de onde partiam uma série de raios elétricos, símbolos do Ginásio de Lumiose. 

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Calem levantou o olhar ao líder, confuso.

— Quero que fique com isso como agradecimento.

— Como assim? — questionou o outro, dando um passo para trás. — Eu não posso aceitar, não lutei contra você. Nem faz sentido.

— Você lutou contra o Clembot. — deu uma risada cansada. — O sistema de inteligência artificial que eu criei para auxiliar a enfrentar os desafiantes. Eu não estava operando, mas ele iniciou automaticamente com a batalha. Seu adversário tinha o controle dele, era como lutar contra uma máquina. — fez uma pausa. — Bem, uma máquina sujeita às falhas humanas de quem o comanda.

Calem titubeou.

— Ele precisa de uns ajustes, mas você conseguiu enfrentá-lo. Um dia a inteligência artificial irá superar totalmente a humanidade, sabe? — ponderou.

O outro balançou a cabeça.

— Mesmo assim, eu não posso aceitar…

Clemont pegou a insígnia do robô e ofereceu de sua própria mão a Calem, colocando entre seus dedos.

— Sei que não pode registrá-la oficialmente ainda… Mas espero que logo as coisas se acertem para vocês. Quando se acertarem, volte ao meu Ginásio. Faremos uma batalha pessoalmente e validaremos essa insígnia para a Liga, tudo bem? É apenas um agradecimento temporário.

Calem olhou para a insígnia em sua mão, levantando o olhar para o líder, que abriu um sorriso. Ele sorriu de volta.

— Combinado. — falou, dando-lhe um aperto de mão.

Naquele momento, uma sequência de batidas altas soou da porta da sala, colocando todos em posição de alerta. Os primos deram passos para trás, desesperados. O Observador pareceu procurar alguma maneira de se defender. Clemont pressionou um botão e duas mãos robóticas se colocaram em posição de ataque. Apenas o Professor não pareceu muito exaltado.

— AQUI É A POLÍCIA! ABRAM IMEDIATAMENTE!! — berrou uma voz feminina do lado de fora.

— Pela janela! — gritou Charlie, pegando suas coisas.

Naquele momento o professor abriu a porta, revelando um total de zero policiais. No lugar, havia uma menina de longos cabelos negros penteados sobre uma boina cor-de-rosa e um rapaz louro alto ao seu lado com a pele vermelha de vergonha como uma Cheri Berry.

— SERENAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! — gritou a menina abraçando a menina loura que mal conseguia respirar.

— Kath, pelo amor de Arceus, nós ainda somos fugitivos.— disse Serena respirando aliviada com a mão sobre o peito onde seu coração quase saía pela boca. — O que você tinha na cabeça? Quase nos matou do coração!

— Ih minha filha quem deve teme, né. — disse ela, com a mão na cintura. — E a senhora deve um monte pelo visto, é só o seu rosto que tá na tevê todo dia o tempo inteiro! É Serena pra cá, Serena pra lá, Serena acolá. Dá até raiva menina, falam tanta coisa ruim de você que se eu não conhecesse...

Aldrick entrou, encostando a porta suavemente.

— Mil perdões, eu falei que não era uma boa ideia…

Calem esfregou a mão no rosto.

— Pronto… Foi só a gente ter um respiro que vem Arceus e os outros quarenta lendários querendo visitar. Como todo mundo nos encontrou?!

— CALEM-KUN MEU PRINCESO! — gritou ela correndo para um abraço mesmo com todas as tentativas do outro de escapar. — O profe que é um baita fofoqueiro, eu amo. Liguei correndo pra ver se ele sabia o porquê desse babado todo na Torre que ninguém me chamou, não é que ele sabia dos bastidores tudo?

Os três encararam o homem.

— PROFESSOR!

Ele deu uma risada.

— Eles estavam preocupados com vocês. Achei que gostariam de revê-los depois de tantas emoções. É bom nos reunirmos com as pessoas que amamos.

— Na próxima eu deixo você ir no meu lugar, se quiser. — resmungou Calem para ela.

— Meu deus você tá fracote demais, é com esses bracinhos que você quer me vencer na Liga?

Calem corou, cruzando os braços para tentar disfarçar. Em seguida a garota virou-se para Clemont ao lado.

— Falando em fracote e em Liga OLHA SÓ SE EU JÁ NÃO TENHO A INSÍGNIA DESSE AQUI!

— É um prazer revê-la… — murmurou o louro um pouco sem graça.

— Que bom que estão a salvo… — disse Aldrick, sorrindo. — Até fomos próximos à Torre para tentar ver melhor, mas não adiantou muito. Ficamos preocupados com vocês.

— Estamos a salvo. — disse Calem, sério. — Por enquanto.

Katheryn se jogou no sofá confortavelmente como se estivesse em casa.

— Quais os planos?

Os três se olharam.

— Bem, temos uma… Uma missão em Laverre. — comentou Charlie, dando uma piscada para Serena.

— Ahhh sempre me falam que é uma cidade linda!!! Eu morro de vontade de conhecer, vamos pra lá também Aldy!! — falou a garota.

— Kath, não podemos colocá-los em perigo!

Calem deu uma risadinha.

— O perigo maior somos nós para vocês. — argumentou. — Mas se quiserem assumir o risco, serão bem-vindos.

Kath esticou os pés sobre uma mesinha de centro.

— Quero ver alguém mexer com vocês com Kate Berry por perto!

Calem examinou o tempo do lado de fora.

— Bem, já que vamos, devemos ir o quanto antes...

— Acho que pode não ser uma ideia estratégica. — murmurou Ashley, até então quieta mexendo no computador. Ela nem tirou os olhos da tela. — Vocês não conseguem parar em pé. Descansem hoje e partam amanhã de manhã. A Route 13 pode ser perigosa se não forem atentos.

— Gente, e quem é você?? — indagou Kath só então notando a presença da ruiva.

— Alguém que já está de saída. — falou, fechando o computador.

— Podemos garantir que pelo menos até amanhã vocês fiquem em segurança por aqui. — comentou o professor. — E amanhã vocês saem cedo para a próxima cidade.

Kath deu um salto do sofá.

— Ouvi dizer que tem um PÂNTANO!! Eu não vejo a hora de ver que criaturas bizarras e loucas que vão tentar engolir a gente estão escondidas naquela água gosmenta e suja que a qualquer segundo pode fazer a gente afundar e morrer!!! — gritou, empolgada, percebendo um sinal de todos para que falasse mais baixo.

Calem coçou a cabeça.

— Ninguém me avisou de pântano nenhum.

E virou-se para o Observador.

— Acha que consegue para nós um helicóptero também?

Serena mexia em suas coisas na mochila no quarto quando Aldrick entrou caminhando suavemente, com sua costumeira expressão cuidadosa.

— Como está o ovo, Serena?

Ela abriu um sorriso, pegando o ovo no colo com certa dificuldade em equilibrá-lo.

— Ai Ald, para ser sincera faz uns dias que não tenho dado tanta atenção para ele… Mas ele parece que tem ficado um pouco mais agitado.

— Agitado? — cortou Kath, entrando na conversa. — Garota, seu primo fugindo do pântano é menos agitado que esse ovo.

— Ele está nascendo! — comentou Ald, abrindo um sorriso.

Serena tomou um susto. Sentou-se sobre a cama e colocou o ovo no colo, vendo-o balançar para um lado e para o outro tentando conseguir romper a casca. Rachaduras começaram a se desenhar. Todos se puseram em volta do evento. Por um segundo, todas as tensões e medos das múltiplas discussões foram silenciados por um acontecimento que parecia tão mágico que às vezes esqueciam o quão natural era: a Vida.

— O milagre da Vida nunca perde a beleza. — comentou o professor, admirado.

Serena conseguiu avistar uma pequena criaturinha de pelos castanhos. Um par de orelhas começou a se mover, tentando captar o que acontecia ao redor enquanto os dois olhos ainda não conseguiam se atrever a enxergar o mundo ao redor. Se afagava em sua própria cauda felpuda, tentando se aquecer em meio ao frio de Kalos. Serena não podia acreditar na bela cena que testemunhou, fazendo-a esquecer por um segundo todos os problemas.

— Um Eevee!!

Ela cobriu a criatura com uma manta, afagando-a em seu colo. Aldrick sentou-se ao seu lado para ajudá-la, e logo o professor se juntou para dar alguns conselhos e orientá-la. Bonnie já queria colocar as mãos para acariciar o Pokémon, sendo repreendida por seu irmão. Até mesmo o Observador e Ashley, que costumavam ser mais frios, não evitaram sentir o coração mais aquecido com a cena. Os medos abriram um pouco de espaço para que se lembrassem do porquê tudo aquilo era suportável. Como um translúcido arco-íris que se forma após uma tempestade devastadora.

Calem dava apoio a Serena. Correu seus olhos para a sala, vendo Charlie sentado sobre a janela. Abriu um sorriso fino. Ele sorriu de volta.

    

Heliolisk




Heliolisk é, originalmente, um Pokémon de Marc, irmão mais velho de Charlie. O garoto o havia adotado quando ainda era um Helioptile nas ruas de Lumiose, mas não utilizava dentro de batalhas - vez ou outra, Heliolisk era convocado para auxiliar em ações da Lumiose Gang. Era um dos poucos elos que ainda lembrava Marc de seus tempos de infância e, apesar de uma relação de poucas palavras, existia um respeito mútuo entre Pokémon e treinador. Durante o atentado na Prism Tower, Marc o utilizou para enfrentar Calem. Após a derrota, acabou deixando o Pokémon para trás, "libertando-o", ao atirar-se da Prism Tower. Charlie, então, adotou o Pokémon, acolhendo aquela criatura que o lembra da humanidade que ainda via em seu irmão quando crianças.
 
Antecedentes

Heliolisk foi encontrado por Marc em Lumiose e trazido para a Lumiose Gang. Mais detalhes são ainda desconhecidos.

Estratégias e Envolvimento em Batalhas

É um guerreiro de impressionante agilidade. Apesar de ter morado nas cidades, a espécie costuma habitar terrenos áridos de Kalos e, por isso, lida bem com altas temperaturas e ambiente arenoso, sobretudo com sua habilidade Sand Veil. A pele em torno de seu pescoço consegue se abrir como uma antena parabólica, absorvendo luz e eletricidade e a emitindo, sobretudo quando utiliza o Solar Beam. Charlie raramente o utiliza em batalhas pelas lembranças que o Pokémon o traz, mas é sem dúvidas um apto guerreiro.

Royal Emperium

Ishan, apesar do acolhimento, não se sente parte de sua guilda. Devido ao sentimento que viu seu mestre nutrir por Charlie, criou uma inimizade idêntica com Thanos, Gwen e Austin. O moço é descrito frequentemente como alguém não confiável, justamente pelas atrocidades que já havia cometido dentro da máfia. Ishan tem sangue frio, e nas poucas oportunidades se mostrou um adversário de respeito. Enquanto Gwen e Austin claramente rejeitam sua presença na Royal Emperium, Thanos evita emitir opiniões - afinal, os dois cresceram juntos, como irmãos.

Curiosidades
  • Heliolisk fez uma aparição sem que fosse revelado no primeiro capítulo da Royal Emperium. Na ocasião, era tido apenas como um "homem encapuzado" que atacou o grupo de Thanos.

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